Preparando-se pra seguir viagem

Todos que o conheciam sabiam que ele era maluco. Bastava um minuto perto de onde ele estava e qualquer um, envolvido ou não em sua prosa desconectada apostaria qualquer coisa que ele era maluco.
Sumia por meses e logo reaparecia em seu velho carro que nunca soubera o significado da palavra "cuidado". Mas uma coisa todos admitiam: ele vendia a melhor cachaça em todos os bares que era dono em 6 estados do Brasil. Isso sem falar no melhor salgadinho. Nunca revelava qual era seu alambique ou a receita daquele salgadinho estranho. Nunca revelou também porque só abria barzinhos em pequenas cidades do interior.
Só se via aquele senhor bem barbeado, com roupas limpas e alinhadas e bastante pensativo no primeiro dia que ele "aparecia" na cidade. Daí em diante era sempre o mesmo. Piscava aqui. Manifestava-se acolá. Completava um download mais adiante. Doze horas depois, estava sempre muito bêbado, conversador, risonho. Reclamava sempre que o povo do interior era muito atrasado. Que o povo das grandes cidades eram uns bundões.
Gostava de ouvir Raul Seixas e Rogério Skylab. Reclamava que o resto do povo do planeta era tão burro que nunca prestou atenção no fato de que o Bob Dylan já declarou que passou quase 30 anos aprendendo a tocar violão, que já tem quase 50 anos de carreira, que estudou em várias escolas por quase 20 anos, que passou quase 10 anos viajando pelo mundo pra aprender as coisas que ele colocava em suas letras. Ironizava o Dylan e a humanidade toda dizendo que o cantor tinha era inveja de Noé, Matusalém e do rei Davi.
E bebia um trago maior da famosa cachaça quando alguém dizia que ele estava maluco. Ligava o carro com duas cornetas no volume mais alto que podia (não era muito). Sua primeira música era sempre a mesma: S.O.S. de Raul. Todos sabiam que, naquele verso "e nas mensagens que nos chegam sem parar, ninguém pode notar, estão muito ocupados pra pensar" ele desabava rindo. Era o momento que todos, em cada cidade pequena do interior onde ele tinha um bar olhava pra ele e dizia: "é maluco mesmo!".
Mas realmente era difícil, neste momento, perceber que sempre haviam dois ou três cavalheiros que, depois de comer bastante salgadinho e beber bastante daquela cachaça sumiam sem deixar lembranças em ninguém...

As borboletas supersônicas do além do além (Título de Ayam Hohlenwerger)

Um ônibus
Um quilômetro
Uma borboleta
Pouco mais de 80 km/h
Pouco menos de 800 metros
Certamente uma morte
A velocidade obstinada
Os metros efêmeros
A inocente e despreocupada borboleta
Eu no ônibus
A borboleta em meu campo de visão
Ela não vai ter chance (coitada)
Até o deslocamento do ar vai ajudar a matá-la
o ônibus estava a décimos
Eu pensava em centésimos
Qual a função de sua vida?
Vai morrer assim
O ônibus chegou
Eu me despedi
Em milésimos um pássaro atravessou o ônibus
Levou a borboleta
Ela morreu, mas serviu à Mãe Natureza
Não se resignou a morrer fora da cadeia alimentar
Quase não vi
Achei que inventei a cena
Mas tenho certeza que foi um ato da Natureza
Criatividade até no último milésimo
Os atores perfeitos
A singela borboleta com uma despreocupação sábia
Um pássaro Ás, Malabarista dos ares
Sua manobra ousada e perfeita
Que posso fazer?
Agradecer a esta fabulosa roteirista
Por ser escolhido como platéia